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Por Johnny Hooker, Renata de Carvalho e todas as artivistas em defesa das orientações sexuais e identidades de gênero

A Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) vem, através deste, manifestar total apoio e solidariedade ao cantor e compositor pernambucano Johnny Hooker que, desde a última sexta-feira (27), tem sido alvo de ataques protagonizados por oportunistas religiosos, após protestar durante seu show no Festival de Inverno de Garanhuns (FIG) contra a tentativa de proibir o espetáculo "O Evangelho segundo Jesus, Rainha do Céu", protagonizado pela atriz transexual Renata Carvalho, como parte da programação do festival. Após tentativas semelhantes de proibições em cidades como Jundiaí (SP), Salvador (BA), Porto Alegre (RS) e no Rio de Janeiro (RJ), a peça passou por batalha jurídica para compor a programação do festival pernambucano.


Acreditamos que as repetidas tentativas de censura contra a peça e os ataques e denúncias sofridos por Johnny Hooker são reflexos da intolerância e LGBTIfobia presentes na nossa sociedade. Renata Carvalho, atriz protagonista da peça, se posicionou em entrevista ao jornal O Globo, afirmando que “Jesus é tido como a imagem e semelhança de todo mundo, menos de nós pessoas trans”, levantando questionamento sobre a falta de tolerância e respeito com as pessoas trans e seus corpos. Nesse sentido, entendemos o protesto do cantor, ao declarar que “Jesus é travesti sim”, como fundamental na luta contra a censura e silenciamento da população transexual e travesti.


A ABGLT reconhece que artistas como Johnny, Renata e tantas outras tem emprestado sua arte para um ativismo em defesa de nossa luta e de nossos corpos, o que tem incomodado de sobremaneira o patriarcado e o machismo que reforçam as violações diárias a todas nós LGBTI+. Por isso nos solidarizamos e nos colocamos a disposição para todo e qualquer tipo de apoio necessário. Estaremos sempre em defesa irrestrita a estas artistas e a todas que defendam a livre existência de nossas corporeidades. LGBTIfobicos não passarão!



No último dia 13, um dos três filhos de Jair Bolsonaro, Carlos Eduardo, que ocupa cargo de vereador no Rio de Janeiro pelo Partido Social Cristão (PSC), usou o twitter para postar um cartaz falsificado e afirmar que grupos LGBTI+ estariam defendendo a pedofilia, adicionando a letra "P" a sigla.


O pôster divulgado por um dos membros da família Bolsonaro já circula na internet há muito tempo e foi comprovado como falso, mais de uma vez, por diferentes sites. O site Snopes, por exemplo, apurou as origens do mesmo material que Bolsonaro postou, comprovando que é falso. “Esse não é um panfleto verdadeiro de um grupo LGBT, e não existe nenhum grupo LGBT que tolere a pedofilia, e muito menos algum que tenha anunciado que a letra “P” seria adicionada à sigla como forma de demostrar apoio à pedofilia”, concluiu o website.


Na investigação feita pelo Snopes, o panfleto falso surgiu no website 4chan, conhecido por ser origem de diversas fraudes e disseminador de fake news. A discussão entre os usuários do 4chan ainda se encontra acessível no site. Nela é possível ver usuários conversando sobre a melhor forma de fazer com que o panfleto falso fosse verossímil para conseguir convencer as pessoas que grupos LGBTI+ estariam incorporando a palavra "pedofilia" em sua sigla, vendo com vantagem convencer a população de associar LGBTIs a pedófilos. Algumas mensagens reafirmam o teor opressor da ação, onde homens gays são chamados de forma pejorativa como "bichas" e associados a "vermes".


Em declaração, Symmy Larrat, presidentra da ABGLT, defende que é inadmissível a tentativa de associar o movimento LGBTI+ a pedofilia, especialmente quando uma das principais lutas é a proteção da criança e do adolescente LGBTI+. "Somos contra a pedofilia, assim como o estupro corretivo, o abuso sexual e a violência que as crianças sofrem, muitas vezes dentro de casa", afirma.


A ABGLT repudia qualquer forma de associação do movimento LGBTI+ a pedofilia, afirmando em seu estatuto (Art. 9º do Capítulo II) que organizações que defendam a pedofilia não podem ser parte do quadro de afiliadas da ABGLT. Entendemos que a tentativa de associação é exemplo de desonestidade política e reflexo de uma tentativa de criminalização dos movimentos sociais.

Atualizado: 18 de jul. de 2018


Foto: TVePoint

Em fevereiro deste ano, duas travestis presas em Presidente Prudente, interior de São Paulo, foram transferidas para uma unidade prisional feminina após determinação do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), que, ao receber denúncias de violência psicológica e física, avaliou que as presas deveriam cumprir pena em estabelecimento prisional compatível com sua identidade de gênero.


A decisão abriu precedentes para discussões em relação à situação de pessoas trans, indivíduos cuja identidade de gênero não é definida pelo sexo biológico, no sistema carcerário. Com esse histórico, a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) protocolou ação no fim do mês de junho, pedindo que o STF determine que presas transexuais e travestis possam cumprir pena em unidades prisionais femininas.


Carlos Magno, representante da ABGLT no Conselho Nacional de Direitos Humanos, acredita que é preciso uma determinação do Supremo para que juízes não julguem casos específicos a partir de moral própria ou orientação religiosa, mas sim a partir de uma jurisprudência. Na opinião do ativista, o ambiente prisional é ainda mais hostil para as pessoas trans.


“O espaço onde a pessoa tem que estar é o espaço onde ela se identifica. Elas estão em um ambiente que pode ser hostil e transfóbico pra elas. Todo tipo de violação é grave, desde a violência física até a simbólica e moral. Queremos evitar qualquer tipo de violação de direito dessas trans”, diz Carlos.


Symmy Larrat, mulher trans e presidenta da ABGLT, avalia que a população trans é mais vulnerável não só na prisão, mas em todo processo de acesso à cidadania na sociedade, o que se aprofunda no cárcere. “Eles fazem com as pessoas trans tudo o que fazem com os homens por entendem aqueles corpos como masculinos. Isso é extremamente violento, além da subserviência que acontece dentro do espaço do sistema carcerário. Essas pessoas não  podem usar batom, peruca, mudar o cabelo… elas não podem usar nada que ajude na feminilização de seu corpo”, critica.


Transferência opcional 


A primeira versão do texto da liminar recebeu críticas de ativistas da área por afirmar que as presas somente poderiam cumprir pena em prisão feminina, o que significaria uma transferência compulsória, não considerando as particularidades de cada indivíduo e suas próprias vontades.


Mas, procurada novamente pela reportagem, a ABGLT informou que o ponto citado foi corrigido por aditamento (instrumento utilizado para adicionar algo a liminar), e que, na versão da ação enviada ao STF, consta que a transferência do presídio masculino para o feminino deve ser opcional, ou seja, a mulher trans poderá optar por permanecer onde está, caso queira.


Segundo Márcio Zamboni, antropólogo e integrante do Grupo de Trabalho (GT) Mulher e Diversidade da Pastoral Carcerária da Arquidiocese de São Paulo, a definição do que é ser uma mulher trans, usada pela militância fora do sistema prisional, não abrange toda a multiplicidade das vivências e performances do gênero feminino dentro dos presídios masculinos. Um homossexual que gosta de usar roupas ou acessórios femininos, por exemplo, não se identifica como uma mulher trans.


Doutorando, Zamboni estuda a população LGBT privada de liberdade, e com base em sua pesquisa, explica que as expressões “mona” e “bicha” são as formas mais comuns de auto identificação dos presos. É justamente por conta dessa multiplicidade de vivências dentro dos presídios que o especialista condena transferências compulsórias para os presídios femininos. O ideal seria uma análise caso a caso. 


“Essa transferência só é desejável quando a pessoa que está presa quer. Ela pode, por uma série de razões, querer continuar na prisão masculina. Temos que entender que grande parte dos presos continuam mantendo relações sexuais e afetivas entre eles, especialmente as pessoas trans e LGBTs, que uma vez que estão na prisão masculina, conseguem vivenciar esses desejos”, afirma Zamboni.


Para o pesquisador, uma das principais violações contra essa população é o não uso do nome social. Em março deste ano, o STF decidiu que todo cidadão tem direito de escolher a forma como deseja ser chamado. O Supremo também reconheceu que pessoas trans podem alterar o nome e o sexo no registro civil sem que se submetam a cirurgia.


“O nome social é, na minha opinião, a demanda mais urgente além da possibilidade de expressar a feminilidade dentro da prisão. O direito de manter o cabelo comprido, de pintar a unha, de usar roupa feminina. É um direito fundamental ter uma performance de gênero feminina, assim como o nome social”, argumenta o antropólogo.


Celas separadas


Após denúncias de episódios de violência sexual e física, em 2014, alas específicas foram criadas para a população LGBT dentro do sistema carcerário, mas a dinâmica foi implementada apenas em alguns estados como Minas Gerais, Paraíba, Mato Grosso e Rio Grande do Sul.


No mesmo ano, entrou em vigor a Resolução Conjunta 1, editada pelo Conselho Nacional de Combate à Discriminação e o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que prevê a possibilidade de transferência de “pessoas que passaram por procedimento cirúrgico de transgenitalização” para unidades prisionais do sexo correspondente. Essa mesma resolução instituiu o nome do uso social nas prisões.


Apesar de ser vista com bons olhos pela mídia e entidades LGBTs, Zamboni também é crítico a criação das chamadas celas especiais pois avalia que a decisão segrega as vítimas e não auxilia na mudança de comportamento de quem pratica a violência, além de criar um efeito simbólico negativo com a falsa sensação da existência de um privilégio para essa população, caso as celas separadas estejam em condições melhores, por exemplo.


Sobrevivência na prisão


Xampy Fontinhas, historiador, gay e egresso do sistema carcerário, concorda com a avaliação de Zamboni sobre a complexidade da população LGBT na prisão. Ele conta que, para os homens gays, a feminilização é uma regra. “Não somos nós que escolhemos ficar afeminados lá dentro. Isso é porque o mundo do crime só vê a gay e a bicha se ela for feminina. Se não for, ela não é bicha. Então, na verdade, isso é uma estratégia de sobrevivência. Tem mulheres trans lá dentro mas nem todo mundo é trans”, pondera Xampy.


A partir de sua experiência na prisão e convivência com mulheres trans, o ex-presidiário define o cárcere como um ambiente machista, homofóbico e transfóbico. “Eles desrespeitam completamente a individualidade dos presos, muito mais do preso LGBT porque tem a questão do machismo e da homofobia que está introjetada neles lá. Se você entrou e é bicha, eles raspam sua cabeça que é pra fazer você entrar passando vergonha. Isso para uma mulher trans é o fim, porque a feminilidade está vinculada ao cabelo e às expressões femininas do rosto dela”.


O historiador ressalta que é preciso falar sobre as violações da população LGBT no sistema carcerário, mas também sobre o que está por trás da prisão dessas pessoas. “As trans acabam sendo presas somente por estarem em situação de prostituição. Estar em uma avenida se prostituindo já é motivo para um policial chegar e atacar o que quiserem em cima delas e levá-las presas”, denuncia Xampy.

“Eles acham que podem fazer o que quiser com elas. É a pior forma de violência que existe. Pra eles, é como se fossem não-cidadãs. Uma mulher trans que está na rua não existe como cidadã. Então, eles ‘podem’ jogar droga nela, dizer que estava vendendo ou que estava roubando”.


Instituição falida


O Brasil é o terceiro país com maior número de pessoas presas, atrás dos Estados Unidos e China. Até junho de 2016, conforme Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) divulgado no final do ano passado, haviam 726.712 pessoas presas no país. Desse número, quase 40% são presos provisórios.


Na avaliação de Márcio Zamboni, o sistema carcerário é uma instituição falida que viola direitos humanos fundamentais em prol da manutenção e aprofundamento da desigualdade social. Neste cenário, o principal problema das mulheres trans é o cárcere em si, assim como para todos os outros presos. “A primeira coisa que temos que pensar quando falamos de pessoas trans e de pessoas não heterossexuais na prisão, é o porquê de estarem presas e como tirá-las da prisão o mais rápido possível”, afirma.


Zamboni ainda destaca que na maioria das vezes, as pessoas da população LGBT que cometeram crimes e estão presas, principalmente as trans, cometeram delitos porque não conseguem se integrar no mercado de trabalho formal e não conseguem se manter financeiramente.


“[As mulheres trans] Não têm acesso à direitos, sem ser por meio de crimes ou de atividades que estão no limite da ilegalidade como a prostituição. Temos que discutir a desigualdade que as levaram pra lá e a vulnerabilidade que elas têm perante a Polícia. Elas sofrem com certos excessos cometidos pela Polícia e isso também as tornam mais vulneráveis à prisão”, reforça.

 

Edição: Diego Sartorato

Fonte: Brasil de Fato

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